FLORES SEM HASTE
Bezerra de Menezes
Nós temos na
colônia Maria de Nazaré, uma freirinha cuja única alegria na Terra foi cuidar de
um pequeno jardim, no convento das Carmelitas em que ela morava. Ela não se
tornou freira porque quis, a mãe dela ficou muito doente durante o período de
gestação e prometeu que, se ela vivesse e se a filha nascesse com saúde, seria
freira.
Quando a vida começava a explodir em beleza e sonhos, aos
quinze anos, fizeram um enxoval e entregaram-na como esposa do Cristo. Ela
chorou sozinha durante muito tempo, depois se conformou e passou a dedicar às
flores um pouco do seu amor. Ela tinha que orar enquanto fazia pão, tinha que
orar enquanto lavava o pátio, tinha que orar enquanto fazia as refeições, tinha
que orar o dia inteiro. Não aquela oração que saía do coração, mas aquela oração
automática de quem reza a Ave Maria, a Salve Rainha e o Pai Nosso. Ela
desencarnou e foi ser voluntária na Colônia Servos Maria de Nazaré. Ela se
afeiçoou muito a uma madre e essa madre era uma ex-interna da colônia, então,
ela resolveu ir para essa colônia.
Existe na colônia Maria de Nazaré o jardim das flores sem
haste. As flores são cuidadas por ela, pela nossa pequenina freira. Essa
irmãzinha faz flores belíssimas! Um dia, eu cheguei e perguntei:
-
Por
que, irmãzinha, você faz as flores sem haste? No Nosso Lar, na colônia Divino
Amigo, na colônia Missionários da Luz, em todos os abrigos, temos jardins
belíssimos, todos com hastes, com folhagens... Por que um jardim com flores sem
hastes?
Ela me disse:
-
Porque é muito difícil guardarmos a essência da fé e do amor com
raízes plantadas profundamente no chão. Achavam, na Terra, que eu era
santificada pela minha reclusão involuntária e a única alegria que eu tinha eram
as flores, que eu justificava que eram cuidadas para serem colocadas aos pés da
Virgem Santíssima. Mas, quando eu oferecia as flores para Virgem Santíssima, eu
não oferecia as raízes, eu procurava cortar bem rente e oferecer só as flores.
Hoje, como eu posso criar flores fluídicas, eu quero que todas as criaturas
aprendam a caminhar na Terra sem deixar muitas raízes, porque aqui, na colônia
onde sirvo, no hospital Maria de Nazaré, as pessoas que estão abrigadas
plantaram muito mais raízes do que flores. São bem poucos aqueles que souberam
valorizar as flores. As flores abrigam, às vezes, espinhos venenosos, raízes
tóxicas, mas só as pétalas são como a face de Maria: suave, perfumada e doce.
Plantaram a haste da minha vida no solo de uma igreja fria, onde meu único
consolo era embelezar os pés de Maria, vendo meus colibris, meus beija-flores...
Até as migalhas do pão me eram tão difíceis de oferecer aos passarinhos, mesmo
recorrendo a Francisco de Assis como exemplo para a minha atitude... Fui, uma
vez, inclusive, punida, porque diziam que eu via na imagem de Francisco de Assis
a imagem de um homem, quando, na verdade, eu estava buscando uma fuga para poder
olhar as aves do céu, como direito que todas as criaturas têm e o próprio Cristo
nos Ensinou: “olhai as aves do céus!” Mas, tudo o que eu dizia representava para
mim mais punição... E quando Bezerra de Menezes me pergunta por que eu faço
flores sem haste, eu respondo como respondi: não é muito mais bela uma flor
boiando no infinito de Deus?
Eu segurei as mãos
daquela trabalhadora, pedi licença e beijei-as. Benditas sejam as mãos que amam
as flores, bendito seja aquele que tem olhos para ver as aves do céu, para ver
os lírios do campo, sem falar no lodo que alimenta esses lírios, mas na beleza
que neles resplandecem! Ela, realmente, levou para a colônia só as flores e
deixou no chão da Terra as raízes...
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