A LEI DOS
DESTINOS
Léon Denis
Dada a prova das vidas sucessivas,
o caminho da existência acha-se desimpedido e traçado com firmeza e segurança. A
alma vê claramente seu destino, que é a ascensão para a mais alta sabedoria,
para a luz mais viva. A eqüidade governa o mundo; nossa felicidade está em
nossas mãos; deixa de haver falhas no Universo, sendo seu alvo a Beleza, seus
meios a Justiça e o Amor. Dissipa-se, portanto, todo o temor quimérico, todo o
terror do Além. Em vez de recear o futuro, o homem saboreia a alegria das
certezas eternas. Confiado no dia seguinte, multiplicam-se-lhe as forças; seu
esforço para o bem será centuplicado.
Entretanto, levanta-se outra
pergunta: Quais são as molas secretas por cuja via se exerce a ação da justiça
no encadeamento de nossas existências?
Notemos, primeiro que tudo, que o
funcionamento da justiça humana nada nos oferece que se possa comparar com a lei
divina dos destinos. Esta se executa por si mesma, sem intervenção alheia, tanto
para os indivíduos como para as coletividades. O que chamamos mal, ofensa,
traição, homicídio, determinam nos culpados um estado de alma que os entrega aos
golpes da sorte na medida proporcionada à gravidade de seus atos.
Esta lei imutável é, antes de mais
nada, uma lei de equilíbrio. Estabelece a ordem no mundo moral, da mesma forma
que as leis de gravitação e da gravidade asseguram a ordem e o equilíbrio no
mundo físico. Seu mecanismo é, ao mesmo tempo, simples e grande. Todo mal se
resgata pela dor. O que o homem faz de acordo com a lei do bem, proporciona-lhe
tranqüilidade e contribui para sua elevação; toda violação provoca sofrimento.
Este prossegue a sua obra interior; cava as profundidades do ser; traz para a
luz os tesouros de sabedoria e beleza que ele contém e, ao mesmo tempo, elimina
os germens malsãos. Prolongará sua ação e voltará à carga por tanto tempo quanto
for necessário até que ele se expanda no bem e vibre uníssono com as forças
divinas; mas, na prossecução dessa ordem grandiosa, compensações estarão
reservadas à alma. Alegrias, afeições, períodos de descanso e felicidade
alternarão, no rosário das vidas, com as existências de luta, resgate e
reparação. Assim, tudo é regulado, disposto com uma arte, uma ciência, uma
bondade infinitas na Obra Providencial.
No princípio de sua carreira, em
sua ignorância e fraqueza, o homem desconhece e transgride muitas vezes a Lei.
Daí as provações, as enfermidades, as servidões materiais, mas, desde que se
instrui, desde que aprende a pôr os atos de sua vida em harmonia com a Regra
Universal, “ipso facto”
(1) é cada vez menos presa da
adversidade.
Os nossos atos e pensamentos
traduzem-se em movimentos vibratórios, e seu foco de emissão, pela repetição
freqüente dos mesmos atos e pensamentos, transforma-se, pouco a pouco, em
poderoso gerador do bem ou do mal.
O ser classifica-se assim a si
mesmo pela natureza das energias de que se torna o centro irradiador, mas, ao
passo que as forças do bem se multiplicam por si mesmas e aumentam
incessantemente, as forças do mal destroem-se por seus próprios efeitos, porque
esses efeitos voltam para sua causa, para seu centro de emissão e traduzem-se
sempre em conseqüências dolorosas. Estando o mau, como todos os seres, sujeito a
impulsão evolutiva, vê por isso aumentar-se forçosamente sua
sensibilidade.
As vibrações de seus atos, de seus
pensamentos maus, depois de haverem efetuado sua trajetória, volvem a ele, mais
cedo ou mais tarde, e o oprimem, o apertam no necessidade de
reformar-se.
Este fenômeno pode explicar-se
cientificamente pela correlação das forças, pela espécie de sincronismo
vibratório que faz voltar sempre o efeito à sua causa. Temos demonstração disso
no fato bem conhecido de, em tempo de epidemia, de contágio, serem
principalmente as pessoas, cujas forças vitais se harmonizam com as causas
mórbidas em ação, as atacadas, ao passo que os indivíduos dotados de vontade
firme e isentos de receio ficam geralmente indenes.
Sucede o mesmo na ordem moral. Os
pensamentos de ódio e vingança, os desejos de prejudicar, provenientes do
exterior, só podem agir sobre nós e influenciar-nos desde que encontrem
elementos que vibrem uníssonos com eles. Se nada existir em nós de similar,
estas forças ruins resvalam sem nos penetrarem, volvem para aquele que as
projetou para, por sua vez, o ferirem, quer no presente quer no futuro, quando
circunstâncias particulares as fizerem entrar na corrente do seu
destino.
Há, pois, na lei de repercussão
dos atos, alguma coisa mecânica, automática na aparência. Entretanto, quando
implica acerbas expiações, reparações dolorosas, grandes Espíritos intervêm para
regular-lhe o exercício e acelerar a marcha das almas em via de evolução. Sua
influência faz-se principalmente sentir na hora da reencarnação, a fim de guiar
estas almas em suas escolhas, determinando as condições e os meios favoráveis à
cura de suas enfermidades morais e ao resgate das faltas anteriores.
Sabemos que não há educação
completa sem a dor. Colocando-nos neste ponto de vista, é necessário
livrarmo-nos de ver, nas provações e dores da Humanidade, a conseqüência
exclusiva de faltas passadas. Todos aqueles que sofrem não são forçosamente
culpados em via de expiação. Muitos são simplesmente Espíritos ávidos de
progresso, que escolheram vidas penosas e de labor para colherem o benefício
moral que anda ligado a toda pena sofrida.
Contudo, em tese geral, é do
choque, é do conflito do ser inferior, que não se conhece ainda, com a lei da
Harmonia, que nasce o mal, o sofrimento. É pelo regresso gradual e voluntário do
mesmo ser a esta Harmonia que se restabelece o bem, isto é, o equilíbrio moral.
Em todo pensamento, em toda obra há ação e reação e esta é sempre proporcional
em intensidade à ação realizada. Por isso podemos dizer: o ser colhe exatamente
o que semeou.
Colhe-o, efetivamente, pois que,
por sua ação contínua, modifica sua própria natureza, depura ou materializa o
seu invólucro fluídico, o veículo da alma, o instrumento que serve para todas as
suas manifestações e no qual é calcado, modelado o corpo físico em cada
renascimento.
Nossa situação no Além resulta,
como vimos precedentemente, das ações repetidas que nossos pensamentos e nossa
vontade exercem constantemente sobre o perispírito. Segundo sua natureza e
objetivo, vão-no transformando pouco a pouco num organismo sutil e radiante,
aberto às mais altas percepções, às sensações mais delicadas da vida do Espaço,
capaz de vibrar de forma harmoniosa com Espíritos elevados e de participar das
alegrias e impressões do Infinito. No sentido inverso, farão dele uma forma
grosseira, opaca, acorrentada à Terra por sua própria materialidade e condenada
a ficar encerrada nas baixas regiões.
Esta ação contínua do pensamento e
da vontade, exercida no decorrer dos séculos e das existências sobre o
perispírito, faz-nos compreender como se criam e desenvolvem nossas aptidões
físicas, assim como as faculdades intelectuais e as qualidades
morais.
Nossas aptidões para cada gênero
de trabalho, a habilidade, a destreza em todas as coisas são o resultado de
inumeráveis ações mecânicas acumuladas e registradas pelo corpo sutil, do mesmo
modo que todas as recordações e aquisições mentais estão gravadas na consciência
profunda. Ao renascer, estas aptidões são transmitidas, por uma nova educação,
da consciência externa aos órgãos materiais. Assim se explica a habilidade
consumada e quase nativa de certos músicos e, em geral, de todos aqueles que
mostram, em um domínio qualquer, uma superioridade de execução que surpreende à
primeira vista.
Sucede o mesmo com as faculdades e
virtudes, com todas as riquezas da alma adquiridas no decurso dos tempos. O
gênio é um longo e imenso esforço na ordem intelectual e a santidade foi
conquistada à custa de uma luta secular contra as paixões e as atrações
inferiores.
Com alguma atenção poderíamos
estudar e seguir em nós o processo da evolução moral. De cada vez que praticamos
uma boa ação, um ato generoso, uma obra de caridade, de dedicação, a cada
sacrifício do “eu”, não sentimos uma espécie de dilatação interior? Alguma coisa
parece expandir-se em nós; uma chama acende-se ou aviva-se nas profundezas do
ser.
Esta sensação não é ilusória. O
Espírito ilumina-se a cada pensamento altruísta, a cada impulso de solidariedade
e de amor puro. Se estes pensamentos e atos se repetem, se multiplicam, se
acumulam, o homem acha-se como que transformado ao sair de sua existência
terrestre; a alma e seu invólucro fluídico terão adquirido um poder de radiação
mais intenso.
No sentido contrário, todo
pensamento ruim, todo ato criminoso, todo hábito pernicioso provoca um
estreitamento, uma contração do ser psíquico, cujos elementos se condensam,
entenebrecem, carregam de fluidos grosseiros.
Os atos violentos, a crueldade, o
homicídio e o suicídio produzem no culpado um abalo prolongado, que se
repercute, de renascimento em renascimento, no corpo material, e traduz-se em
doenças nervosas, tiques, convulsões e até deformidades, enfermidades ou casos
de loucura, consoante a gravidade das causas e o poder das forças em ação. Toda
transgressão da lei implica diminuição, mal-estar, privação de
liberdade.
As vidas impuras, a luxúria, a
embriaguez e a devassidão conduzem-nos a corpos débeis, sem vigor, sem saúde,
sem beleza. O ser humano que abusa de suas forças vitais, por si mesmo se
condena a um futuro miserável, a enfermidades mais ou menos cruéis.
Às vezes a reparação se efetua
numa longa vida de sofrimentos, necessária para destruir em nós as causas do
mal, ou, então, numa existência curta e difícil, terminada por morte trágica.
Uma atração misteriosa reúne às vezes os criminosos de lugares muito afastados
num dado ponto para feri-los em comum. Daí as catástrofes célebres, os
naufrágios, os grandes sinistros, as mortes coletivas, tais como o desastre de
Saint-Gervais, o incêndio do Bazar de Caridade, a explosão de Courrières, a do
“Iena”, o naufrágio do “Titanic”, do “Ireland”, etc.
Explicam-se assim as existências
curtas; são o complemento de vidas precedentes, terminadas muito cedo,
abreviadas prematuramente por excessos, abusos ou por qualquer outra causa
moral, e que, normalmente, deveriam ter durado mais.
Não devem ser incluídas em tais
casos as mortes de crianças em tenra idade. A vida curta de uma criança pode ser
uma provação para os pais, assim como para o Espírito que quer encarnar. Em
geral, é simplesmente uma entrada falsa no teatro da vida, quer por causas
físicas, quer por falta de adaptação dos fluidos. Em tal caso, a tentativa de
encarnação renova-se, pouco depois, no mesmo meio; reproduz-se até completo
êxito, ou, então, se as dificuldades são insuperáveis, se efetua num meio mais
favorável.
(Léon Denis).